Surdez não é problema, a falta de conhecimento é:

Os surdos sempre foram tolidos em suas manifestações e impossibilitados de desenvolver e até mesmo falar a sua própria língua. Os períodos históricos mostram  os surdos de diversas formas.  O pensamento aristotélico considerava os surdos como incapazes de pensar, a sociedade egípcia venerava os surdos, mas eles não tinham uma participação social, durante a Idade Média foram condenados ao inferno e proibidos de se casarem por não poderem professar os dogmas religiosos, na contemporaneidade foram proibidos de usar a língua de sinais na instrução escolar. Mesmo diante de toda opressão ouvintista[1], os surdos resistiram e, em suas reuniões, longe daqueles que os oprimiam, faziam, contavam e recontavam as suas histórias, produzindo arte e externando o que sentiam.

Em 1880 foi realizado o II Congresso Internacional de Ensino de Surdos, em Milão, Itália. Nesse congresso, ficou decidido que o oralismo deveria ser a forma de instrução para os alunos surdos, que ficaram proibidos de utilizar a língua de sinais no espaço escolar. As consequências dessa deliberação afetaram o modus operandi de todas as escolas de surdos do mundo, e não poderia ser diferente com o instituto no Brasil: os surdos foram proibidos de utilizar a língua de sinais e passaram por constantes exercícios de articulação oral para o desenvolvimento da fala. Nesse período, no Brasil, os surdos ainda eram tratados como incapazes e incompletos, então tinham que se ajustar aos padrões ouvintistas exigidos na época, sendo obrigados a falar utilizando a língua oral.

Em 1960[2], oitenta anos após a decisão do congresso, nos Estados Unidos, na Gallaudet University, o pesquisador William C. Stokoe apresentou aspectos importantes das línguas de sinais. Suas pesquisas lhe renderam o título de “criador dos estudos linguísticos das línguas de sinais”[3]. Os estudos de Stokoe transportaram a língua de sinais de um estágio de versão resumida da oralidade – uma representação malsucedida da oralidade – para o estatuto de uma produção da linguagem, com todos os elementos estruturantes de uma língua.

Por volta de 1980, os estudos sobre a Língua Brasileira de Sinais (Libras) começaram a ser realizados no Brasil. Nesse início de trabalho, Lucinda Brito (1995) se preocupou em analisar a estrutura da Libras. Para a autora, línguas de sinais e línguas orais possuem o mesmo estatuto linguístico e são naturais, pois surgiram a partir das relações humanas. Com a língua de sinais é possível também expressar diversos espectros da comunicação: a emoção, a metáfora, questões políticas, religiosas e literárias, enfim, toda e qualquer manifestação da comunicação é possível em língua de sinais.

Nas décadas seguintes, foi dado prosseguimento aos estudos sobre a língua de sinais brasileira, mas vale lembrar que a fundação do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, instituição para a educação dos surdos, ocorreu em 1855, cento e vinte e cinco anos antes dos estudos sobre a Libras, por uma determinação do Imperador D. Pedro II. Nesse período, a preocupação maior estava em instruir o surdo para a sociedade, não havendo, ainda, uma solicitude sobre os estudos linguísticos e literários da Libras. Ao retomar os estudos de Fred Warshofsky Stevens (1968), Neiva de Aquino Albres (2005) expõe que a instrução estava voltada para a consciência da linguagem e aos processos de oralização. Além disso, os alunos surdos deveriam participar de cursos preparatórios para o mercado de trabalho em diversas áreas técnicas. Somente a partir da entrada de meninas como discentes começou a se admitir disciplinas como tapeçaria e trabalhos de arte.


[1] Ouvintista (ouvintismo) – Trata-se de um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinte. Além disso, é nesse olhar-se, e nesse narrar-se que acontecem as percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte. (SKLIAR, 2016).

[2] Pós Congresso de Milão, os surdos passaram oito décadas em um verdadeiro ostracismo social, pois a educação direcionada a eles não estava condizente com o modo que o surdo tem de apreender o mundo. Em todo o mundo foi negado ao surdo o direito de ser sujeito com a sua própria língua. Hoje não podemos dizer o que seria dos surdos se o sistema ouvintista não tivesse entrado em suas vidas. Os surdos estavam aprendendo a língua oralizada, mas não conseguiam ascender socialmente e, consequentemente, não havia outras representações de surdos na sociedade.  Mas, podemos dizer o que eles são hoje após essa decisão e ver os resultados de um sistema que não valoriza(va) a diversidade quando percebemos os lugares que os surdos – a maioria – ocupam na sociedade.

[3] http://gupress.gallaudet.edu/stokoe.html

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